Censo demográfico do Brasil de 1872

primeiro censo demográfico brasileiro e subsequentes na República
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O censo demográfico do Brasil de 1872, também conhecido como Recenseamento da População do Imperio do Brazil,[2] foi a primeira operação censitária realizada em território brasileiro, à época imperial.[3][4]

I Recenseamento Geral do Brasil
Censo de 1872
Informação geral
OrganizaçãoDGE
Resultados
População9 930 478[1]
Estado mais populosoMinas Gerais
(2 039 735)
Cidade mais populosaMunicípio Neutro
(274 972)
Original pertencente a família do bibliógrafo Hélio Gravatá, cujos antepassados residiam em Salvador na província da Bahia nesta época.
As listas de família eram preenchidas geralmente pelo/pela chefe do domicílio, na época chamado de "fogo".

O Império do Brasil estava realizando um desmonte do chamado "elemento servil", por isso, precisaria estimar a diminuição anual do número de escravos no país.[2]

Foram recenseados todos os moradores em domicílios (chamados de "fogos") particulares e coletivos e que se encontravam nele na data de referência do censo que foi o dia 1º de agosto de 1872. A distribuição da população se fez segundo a cor, o sexo, o estado de livres ou escravos, o estado civil, a nacionalidade, a ocupação e a religião.

Diretoria Geral de Estatística editar

Durante o período imperial, o governo sentiu necessidade de obter dados estatísticos para melhor conhecer o País. Por conta disso, em 1871, pelo decreto n. 4676, em cumprimento à lei 1.829, criou-se a Diretoria Geral de Estatística (DGE), para organizar as atividades estatísticas nacionais e realizar, no ano seguinte, o primeiro recenseamento feito no Brasil. Com a instalação da República, o novo governo reorganizou a DGE e ampliou suas atividades, implantando o registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos. A partir de 1890, realizados pela então Direção Geral de Estatística, os censos ocorreram de dez em dez anos, com a exceção de 1910 e 1930, nos quais a conjuntura política impediu a realização.[5] A DGE foi dissolvida em 1931, e apenas em 1934 seria criado um órgão equivalente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Perfil da população editar

Brasileiros do século XIX. 1ª linha: brasileiros brancos. 2ª linha: brasileiros pardos (da esquerda para a direita: duas mulheres mulatas, duas mulheres cafuzas e uma garota e um homem caboclo). 3ª linha: três brasileiros índios de diferentes tribos seguidos por afro-brasileiros de diversas etnias

Os resultados finais revelaram que o Brasil tinha 9.930.478 habitantes, sendo 5.123.869 homens e 4.806.609 mulheres. Os homens representavam 51,6%, e as mulheres 48,4% da população total. Com relação ao número de habitantes, os resultados não incluem 181.583 habitantes, estimados para 32 paróquias, nas quais não foi feito o recenseamento na data determinada.[6]

Segundo o censo 38,3% eram pardos, 38,1% brancos e 19,7% negros. Os índios, nomeados no censo como "caboclos", perfaziam 3,9% do total, curiosamente, os indígenas ficaram durante 101 anos sem aparecer como categoria separada nos levantamentos populacionais, só retornando em 1991. No caso dos indígenas, alguns, pelo tom de pele, podem ter sido classificados como “pardos”; além disso, a ampla maioria dos povos originários foi ignorada pelo censo, porquanto diversas aldeias não foram contadas, porque houve dificuldade de se chegar a elas. Devemos considerar, também, que inúmeros povos indígenas viviam em tribos isoladas, conservando seus hábitos tradicionais de existência.[7]

Em 1872, os escravos representavam 15,2% da população brasileira, destes 31% foram declarados como sendo pardos. Alguns municípios possuíam mais escravos que pessoas livres, como em Santa Maria Magdalena, São João da Barra, Valença, Pirahy e Vassouras, no Rio de Janeiro; Bananal, em São Paulo; Santa Cruz, na Bahia; e São Luiz Gonzaga, no Maranhão.[8]

Os estrangeiros somavam 3,8% da população do Brasil.[9] Do total de imigrantes, 36% eram escravos. Os “africanos”, escravos, livres ou libertos, eram a maior parte dos estrangeiros (46%); em seguida, estão portugueses (33%), alemães (10,5%), italianos (2,1%) e franceses (1,8%). Apesar de não estarem arrolados no censo, a maioria dos "africanos", eram provenientes de diversos grupos étnicos, os predominantes eram: os Iorubás, Bantos, Minas, Jejes, Hauçás; oriundos de ao menos oito grandes regiões do continente, como Senegâmbia, Golfo do Benim, África Centro-Ocidental e Golfo de Biafra, e outras.[10]

Entre a população livre, 23,4% dos homens e 13,4% das mulheres foram considerados alfabetizados. Da população que tinha entre 6 e 15 anos, 17% dos homens e 11% das mulheres frequentavam escolas. Os dados populacionais por faixa etária mostraram que 24,6% da população eram de crianças menores de 10 anos de idade; 21,1% eram adolescentes e jovens entre 11 e 20 anos; 32,9% eram adultos entre 21 e 40 anos; 8,4 % tinham entre 41 e 50 anos; 12,8% tinham entre 51 e 70 anos; e, por último, apenas 3,4 % tinham mais de 71 anos de idade.[11]

99,72% da população foi classificada como católica (9.902.712 pessoas) e 0,28% (27.766) como não católica. 80% dos “acatólicos” eram imigrantes alemães. Esses dados, contudo, devem ser analisados com cautela. Havia, naquela época, cerca de 383 mil índios, que seguiam suas próprias concepções religiosas. Além do mais, todos os escravos foram classificados como católicos, porém muitos deles mantinham a religiosidade originária da África que, após a abolição, daria origem às religiões afro-brasileiras.[12]

Províncias e o Município Neutro no território do Império do Brasil em 1872.
Quadro geral da população escrava considerada em relação aos sexos, estados civis, raças, religião, nacionalidade, e graus de instrução para a Província do Rio Grande do Norte no censo de 1872.

O censo apresenta, além da contagem da população, informações específicas sobre pessoas com deficiência, acesso à escola e profissões exercidas, entre outras. Na época, a profissão de lavrador era a com o maior número de pessoas, seguida por serviços domésticos. Das profissões liberais, a de artista tinha mais representantes, inclusive entre a população escrava.[13] Dentre as mulheres as profissões predominantes eram de serviço doméstico, lavradoras e costureiras. Partindo da população total (homens e mulheres), cerca de 42% não tinham profissão (55% entres os livres, 24% entre escravos). A própria DGE reconhece que o contingente sem uma profissão específica era “enorme”, sobretudo nas províncias do Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Pernambuco.[10]

O Censo registrou quase 10 milhões de habitantes distribuídos em 20 províncias e no Município Neutro. O Brasil se dividia em 641 municípios, que, por sua vez, se subdividiam em 1.473 paróquias, as unidades mínimas de informação. A coleta foi realizada nas paroquias.[14]

Neste Censo, a atual região Nordeste ainda aparecia como a maior do país. Das oito províncias mais populosas do Brasil, metade eram do nordeste, também estavam dentre as mais povoadas, já que Pernambuco tinha área menor que São Paulo mas com população maior; e a Paraíba com quase a mesma população do Rio Grande do Sul e área bem menor também. Os moradores das atuais regiões nordeste e sudeste combinados compunham 87,2% da população do país.[15]

É necessário destacar que noBrasil Imperial os contemporâneos entendiam o país como sendo geograficamente dividido em apenas duas grandes regiões: o norte (as províncias localizadas do Amazonas à Bahia) e o sul (do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul).[16] Sendo assim, a população nortista, ou seja, as que viviam da Bahia ao Amazonas, era de 4 971 407 (50, 06%) e as que viviam nas demais províncias, ou seja o sul, eram de 4 683 469 (47,16%); portanto, a população das duas regiões era praticamente equivalente, com uma pequena vantagem para o norte.[16]

O Município Neutro, localizado entre as províncias do sul, possuía 274 972 habitantes, cerca de 2,77% da população do país. Minas Gerais, com 2 039 735 habitantes era a província mais populosa e com maior número de paróquias (370), a melhor distribuição da população nas paróquias (incluindo áreas urbanas e rurais) era um resquício da emigração populacional decorrente da atividade minerária, que teve seu apogeu no século anterior e levou à mudança da capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763 (as duas maiores cidades no censo de 1872).

Em 1872 o peso da população rural era enorme quando comparado ao da urbana. A população das capitais provinciais e do Município Neutro representava 10,41% da população total, ou seja, 1 083 039 pessoas. Para completar o quadro, 48% da população urbana concentrava-se apenas nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador e Recife.[17]

Municípios mais populosos em 1872 editar

População por província editar

ProvínciaMunicípiosParóquias não incluídasTotal de paróquiasPopulação Livre% LivrePopulação Escrava% EscravosTotal da população em 1872[18]
Amazonas7-225663198,309791,7057 610
Pará32-7024777990,02274589,98275 237
Maranhão3715328410178,957493921,05359 040
Piauí2222717842788,232379511,77202 222
Ceará46-5768977395,58319134,42721 686
Rio Grande do Norte22-2722095994,44130205,56233 979
Paraíba24-3835470094,28215265,72376 226
Pernambuco39-7175251189,428902810,58841 539
Alagoas19-2831226889,733574110,27348 009
Sergipe2453015362087,162262312,84176 243
Bahia72-169121179287,8416782412,161 379 616
Espírito Santo13-255947872,412265927,5982 137
Rio de Janeiro33612349008762,6129263737,39782 724
São Paulo89-14268074281,2915661218,71837 354
Paraná16-2311616291,6710 5608,33126 722
Santa Catarina11-3814481890,62149849,38159 802
Rio Grande do Sul2847236702284,4167 79115,59434 183
Minas Gerais7214370166927681,8437045918,162 039 735
Goiás26-5414974393,36106526,64160 395
Mato Grosso9-155375088,97666711,0360 417
Município Neutro--1922603382,204893917,80274 972
Império do Brasil641321473841967284,78151080615,229 930 478

População dos municípios das capitais de província editar

ProvínciaCapitalPopulaçãoProporção
em relação
à da província
Posição
no país
AmazonasManaos29 33450,9%74º
ParáBelém61 99722,5%
MaranhãoSão Luís31 6048,8%62º
PiauíTherezina21 69210,7%137º
CearáFortaleza42 4585,9%26º
Rio Grande do NorteNatal20 3928,7%160º
ParaíbaParahyba24 7146,6%105º
PernambucoRecife116 67113,9%
AlagoasMaceió27 7038%83º
SergipeAracaju9 5595,4%366º
BahiaSalvador129 1099,4%
Espírito SantoVictória16 15719,7%211º
Rio de JaneiroNictheroy47 5486,1%20º
São PauloSão Paulo31 3853,8%64º
ParanáCuritiba12 65110%280º
Santa CatarinaDesterro25 70916,1%96º
Rio Grande do SulPorto Alegre43 99810,1%23º
Minas GeraisOuro Preto48 2142,4%19º
GoiásGoyaz19 15911,9%174º
Mato GrossoCuiabá35 98759,6%48º

População cabocla (indígena) por província editar

ProvínciaPopulação totalCaboclos%
Amazonas57 61036 82863,9
Pará275 23744 58916,2
Maranhão359 04010 9433,0
Piauí202 22213 4536,6
Ceará721 68652 8377,3
Rio Grande do Norte233 97911 0394,7
Paraíba376 2269 5672,5
Pernambuco841 53911 8051,4
Alagoas348 0096 3641,8
Sergipe176 2433 0871,7
Bahia1 379 61649 8823,6
Espirito Santo82 1375 5296,7
Rio de Janeiro782 7247 8521,0
São Paulo837 35439 4654,7
Paraná126 7229 0877,1
Santa Catarina159 8022 8921,8
Rio Grande do Sul434 18325 7175,9
Minas Gerais2 039 73532 3221,5
Goiás160 3954 2502,6
Mato Grosso60 4178 52414,1
Município Neutro274 9729230,3
Império do Brasil9 930 478383 9553,9[19]

Quadros do Censo editar

Ver também editar

Referências

  1. «Tabela 1287 - População dos municípios das capitais e Percentual da população dos municípios das capitais em relação aos das unidades da federação nos Censos Demográficos». IBGE. Consultado em 8 de novembro de 2020 
  2. a b Daniel Mariani, Murilo Roncolato, Rodolfo Almeida e Ariel Tonglet (27 de junho de 2017). «Censo de 1872: o retrato do Brasil da escravidão». Nexo Jornal. Consultado em 15 de junho de 2023. Cópia arquivada em 16 de junho de 2023 
  3. Brasil, Portal. «Censo de 1872 é disponibilizado ao público». Portal Brasil. Consultado em 11 de dezembro de 2015 
  4. Mario Marcos Sampaio Rodarte; Clotilde Andrade Paiva; Marcelo Magalhães Godoy. «O Recenseamento Geral do Império do Brasil de 1872: uma análise da consistência e uma proposta de correção dos dados» (PDF) 
  5. «Universia: Censo no vestibular» 
  6. «PUBLICAÇÃO CRÍTICA DO RECENSEAMENTO GERAL DO IMPÉRIO DO BRASIL DE 1872» (PDF). Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica - NPHED. Janeiro de 2012. Consultado em 1 de Janeiro de 2017 
  7. Verona, Ana Paula; Dias Júnior, Claudio Santiago; Verona, Ana Paula; Dias Júnior, Claudio Santiago (2018). «Os indígenas nos Censos Demográficos brasileiros pré-1991». Revista Brasileira de Estudos de População. 35 (3). ISSN 0102-3098. doi:10.20947/s0102-3098a0058 
  8. «Publicação aborda evolução da divisão territorial brasileira de 1872 a 2010». Governo do Brasil. Consultado em 10 de agosto de 2019 
  9. Mariana Tokarnia (14 de janeiro de 2013). «Único a incluir população escrava, Censo de 1872 é disponibilizado ao público». Agência Brasil. Consultado em 10 de dezembro de 2015 
  10. a b «Censo de 1872: o retrato do Brasil da escravidão». Nexo Jornal. Consultado em 10 de agosto de 2019 
  11. «IBGE :: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística». www.ibge.gov.br. Consultado em 11 de dezembro de 2015 
  12. Religião
  13. Mariana Tokarnia (14 de janeiro de 2013). «Censo de 1872 é disponibilizado ao público». Exame. Consultado em 10 de dezembro de 2015 
  14. Roberta Jansen (12 de janeiro de 2013). «Censo de 1872, único a registrar população escrava, está disponível». O Globo. Consultado em 10 de dezembro de 2015 
  15. «IBGE: Dados históricos dos censos» 
  16. a b MELO, Evaldo Cabral de (1984). O norte agrário e o Império. Brasília: Nova Fronteira. pp. 13–26 
  17. Schwarcz, Lilia (1998). As Barbas do Imperador – D. Pedro II, um monarca nos trópicos. [S.l.]: Companhia das Letras. ISBN 9788571648371 
  18. «NPHED - POP72». UFMG 
  19. Pacheco de Oliveira, João (Dezembro de 2012). «Mensurando alteridades, estabelecendo direitos: práticas e saberes governamentais na criação de fronteiras étnicas». Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). ISSN 1678-4588. Consultado em 1 de Janeiro de 2017 

Ligações externas editar